Artistas são pessoas que fazem perguntas estranhas. Já no século 17 o pintor holandês Johannes Vermeer questionava sobre o que ele estava vendo: é só isso ou existe algo mais? Como posso ver isso de outra forma? Especialistas cogitam que o artista tenha usado a câmera obscura em seu trabalho.
Muita coisa mudou desde a época de Vermeer, as tecnologias e as mídias contemporâneas expandiram as possibilidades do fazer artístico, abrindo múltiplas e revolucionárias possibilidades de retratar e recriar a realidade. Entretanto, parece que as perguntas continuam as mesmas.
A exposição “A Bigger Picture” do artista multimídia britânico David Hockney que já tinha reunido 650.000 pessoas no Royal Academy em Londres e cerca de 600.000 visitantes no Museu Guggennheim de Bilbao, teve também concorrida apresentação no Museu Ludwig de Colônia entre 27/10/12 e 03/02/13. A procura e o frisson dos visitantes não é somente desfrutar as gigantescas e coloridas paisagens, mas principalmente conhecer e acompanhar a prática do artista com as mídias atuais, ponto acentuado desta última exposição.
Hipnóticas instalações visuais de uma mesma paisagem inglesa, na West Yorkshires de sua infância, em diferentes estações do ano, formadas de frames captados por inúmeras câmeras de vídeo nos fazem flanar pelas paredes do museu em imersões de pura cor líquida, passeando lentamente junto com as câmeras. O verde primaveril em ereção das árvores, o jogo de luz e sombra no verão, os tons amarelados e amarronzados no outono e o brilho da neve mostram não só belas paisagens, mas também a força vital da natureza em imagens de intensa luminosidade. Trabalhando com programas para iPhone e iPad Hockey não só reconstrói campos, bosques, pequenas árvores, espinheiros, atalhos, matas, estreitas picadas que atravessam bosques, prados, pontes e caminhos, mas constrói em detalhes cenas multicoloridas em movimento de formação, que são apresentadas em seu processo de composição computacional.
Como o mundo se parece para David Hockney?
Numa paisagem bem diferente dos bosques ingleses de Hockney, a exposição “Sistemas Ecos” aconteceu entre 11/05 e 18/06 deste ano na Praça Vitor Civita, em São Paulo, reunindo um grupo de artistas brasileiros convidados a comentar sobre a história desse espaço urbano.
A praça, recuperada e arborizada de seu terreno contaminado, abriga agora um museu onde funcionou, até os anos 80, um dos incineradores de lixo da cidade. No espaço interno do museu, assim como no terreno externo da praça foram dispostas esculturas móveis, instalações, vídeos que propunham um diálogo com o ambiente, questionando o redesenho da paisagem urbana e o meio ambiente.
“Jardim Suspenso”, da dupla Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti é uma escultura cinética instalada na área aberta do lugar. Formada por um corredor com 360 pequenas placas de alumínio espelhadas e individualmente suspensas do solo, a obra mimetiza entre as árvores o constante movimento da natureza, das folhas sopradas pelo vento. Ao mesmo tempo o balanço das placas reflete, refrata e ilumina a paisagem num farfalhar poético que dialoga com o novo bosque e nos faz vê-lo sob diferentes pontos de vista.
Num container, a vídeo instalação “Samarina”, de Sonia Guggisberg, apresenta um filme em looping que mostra a demolição de um antigo prédio da família da artista, com as paredes vindo abaixo e a fumaça do desmanche, propondo-nos refletir como a cidade vai sendo redesenhada em função de novos empreendimentos. Misturado ao barulho da demolição, crianças cantam e embalam a queda do edifício, recuperando histórias daquela vida de outrora e mostrando que o passado da cidade resiste e sobrevive na memória.
Em outro container o artista Lucas Bambozzi apresenta “Obra Coletiva”, com vídeos em loops contínuos que simulam ações de um trabalho repetitivo, errôneo e insistente. Seus protagonistas são arquitetos, engenheiros e executivos do sistema imobiliário, fechados e espremidos nesse espaço próprio de um canteiro de obras, trabalhando em um novo empreendimento para a cidade. A obra critica e ironiza o encaminhamento de projetos lançados sem planejamento, nocivos ao entorno da cidade e sem responsabilidade social, apontando os descaminhos de uma cidade como São Paulo.
Um ecoLAB (laboratório experimental) orientado por 4 artistas, que funcionou no mês de abril, desenvolveu e apresentou trabalhos paralelos sobre as questões ambientais da praça e da cidade, procurando transformar as tecnologias ecológicas existentes em trabalhos artísticos.
“Sistemas Ecos” e “A Bigger Picture” recuperam, através de diferentes caminhos, um diálogo com a paisagem: nostálgica, moderna e brilhantemente revivida em Hockney; debatida, criticada e artisticamente recuperada na megalópole.
Que bom que artistas têm sempre perguntas estranhas. Suas respostas às estranhas indagações ensinam-nos a ver suas pinturas, instalações, vídeos, as paisagens e o mundo de um ponto de vista novo, ou, no mínimo, diferente.
Maria Teresa Santoro Dörrenberg
mtsantoro@arcor.de